Tuesday, December 14, 2010

Madeira Na Carne

Picture by Lucia Oliveira 

Se aproxime disto, aperte seu maxilar
ranja os dentes, esprema os olhos
e veja de perto do que 'to falando.

Tente encontrar aqui um significado
pra sua falta de vergonha,
pra sua falta de interesse.

Caminhe neste eixo circulando os veios
caia na fenda que corta a foto
de seus ridículos, de minhas loucuras
de nossos desprezos e da só sua ignorância.

Veja nesta garganta do diabo
uma luz que pára e indica o fim,
dá falta de ar,
que entremeia o queixo da prepotência,
do fútil e do desleixo.

Se incomode sim com os nós
dos gogós alheios que estão por aí
e por aqui entre nós mesmos
e faça uma alusão à sua falta de iniciativa
em não mudar sequer o que não entende.

Meta as mãos na sua cara
deixe vergão na pele, na marca
de uma barba que arranha
estapeie sua falta de visão.

Entre nas víceras desta árvore
e a chame de Você.
Com as unhas decalque seu nome
nas cascas, nos toques de ferro
de aço que de inoxidável só existe aqui.

Misture a cor do seu corpo
à cor do meu corpo
e a textura de sua pele
à textura do tronco aqui arrancado.

Não se distancie, nunca.
Ao contrário, vá chegando,
chegando, chegando até ficar cego
de tanto ver e quando sentir seus braços
se transformando em ramos meta-os no cú.

E dentro de si mesmo retorça-os,
vire os dedos, os gomos,
os espinhos deste arbusto arrancado
fazendo deles o seu próprio escárnio,
seu próprio intestino grosso e delgado,
num momento de desculpas por tanto relaxo
consigo mesmo, com todas as coisas
vivas, mortas, desconexas, desiguais.
Descaso com seu corpo e matéria,
casa esta que abriga algo
que não deveria mas está podre.

Olhe pra isso, caralho!
Como pode não enxergar?
Não se vê reluzido alí,
deitado aos meus pés me vendo de baixo?

Tente inverter a visão então,
e verá algo pior ainda:
a madeira entrando na carne,
espremendo os ossos, os órgãos
de pessoas que só sabem
derrubar, destruir e copiar.

Portanto, aproveite esta matança toda
e faça rios de você mesmo.
Assim teremos cada vez menos
coisas a dizer.

Juliano Hollivier - Sao Paulo


Picture by Lucia Oliveira

Thursday, December 09, 2010

Chute Na Cara



Esmago as vontades que nunca dão em nada,
como se eletrocoagulasse as verrugas da cara,
com uma bela pisada no peito,
daquelas que você gira o pé no eixo
e depois dá uma bica no esmo.

Você se doa, planta e colhe,
E quem é que já não cedeu ou quis amar?
Bordei, quis morrer, tolher.
Já quis foder, curar e purificar.
Porra, como eu já quis tanta coisa.

Quando cedi, caí.
Quando amei, caí.
Quando me doei, também caí.
Quando quase colhi, morri.

Por isso a bota
na bunda, no sentimento, na gosma
que tem se formado aqui dentro.
Talvez apenas um momento
de reviravolta, de revolta.

Vejo filas de pessoas iguais
saindo prontas pro nada, moldadas.
Bonecos que não pensam, que não querem,
gentes catalogadas, maltratadas,
gentes encurraladas.

E por mais que eu tente
não consigo ser assim
por que no fundo não o quero ser
e isso machuca, faz sofrer.
Já que nas gotas de minha transparência,
o que também não consigo crer
é na não-correspondência.

Mas o que fazer
diante de tanta auto-flagelação?
Se me sinto pequeno muitas vezes,
Se me sinto fraco, sem ação.

E é nessa hora que o que mais preciso
é do carinho, é de um afago macho,
e se não tenho vou do singelo ato
ao "quebra-barraco", ao ódio nato
de alguém ingrato e de coração liso.

Egoísmo ou sado-masoquismo,
este é um registro da raiva, da inconformação
pela imparcialidade, pelo esmorecimento,
de uma geração vazia, desenraizada,
volúvel e sem comoção.

Então que fique o chute na cara
de quem quiser ser, fazer e ter o nada.

Juliano Hollivier - Sao Paulo













Friday, December 03, 2010

Anjo de Fardas


Honra, Nação, Evolução.
Fome e desespero aflige os coitados
num Haiti conflitado pela ocupação,
e ostentado pelo título de pobreza.

Do lado de cá civis não tão comuns
se doam para ajudar numa missão,
de paz, de busca, de realização.

Deixam casa, conforto, familia,
como todos em guerra,
protegidos e justificados em seu posto
como se o trabalho justificasse o risco
e não influenciasse a escolha.

Meu desinteresse, até então na questão.
Quando conheço um destes operários da ordem
e vejo o quanto ou mais humano pode ser
o ofício, a mim desconhecido, deste anjo guardião.

Acompanho sua dor, sua solidão,
vejo daqui do computador seu terror,
sinto em mim a saudade que sente em si,
como se segurasse minha mão
e pedisse apoio, pedisse zêlo, pedisse amor.

Amor aos homens, mulheres e crianças
que lá vê morrerem, que lá vê sofrerem,
Amor aos próximos que pedem por socorro,
por clemência, por alianças,
e por um ato que seja de conforto.

Converso com o anjo de fardas
e descubro a cada minuto de bate-papo
cada vez um pouco mais de humanidade,
de solidariedade, de conquista de evolução.

O vi chorar pela mãe e pelo irmão menor,
pedindo a Deus que os Deixasse bem,
Até quando me deu a notícia maior
que me fez descrer no horror
e compreender a grandeza de seu ato.

Condecorado foi c´uma medalha,
reconhecido pela maior organização do mundo
como uma pessoa de glória, de luz, de muito valor.

A ONU reconhece o herói 
num brasileiro íntegro, corajoso e bravo,
de apenas 24 anos de idade
porém com séculos de luz e hombridade.

Meu amigo é este herói
como todos somos nós  sempre,
porém com tanto merecimento do mundo
que jamais poderá ser comparado.
Por que ninguém jamais se doou tão fundo.

Sou fã, admirador e zelador
de sua alegria, de seu bem-estar, de suas conquistas.
Sou companheiro e parceiro nas lutas que fizer
em busca de algo sempre maior,
doando-lhe meu ombro, meus ouvidos e minhas mãos.

Hoje ví seu sorriso orgulhoso
posando ao lado da medalha.
A alegria e a transparência nele
me deixou assim, de joelhos
diante de tanta comoção, de tanta visualização
do quanto somos aqui pequenos,
e sois aí imenso servindo a Deus
numa fronteira do caos grandioso
que só origina a paz e a ordem 
atravez de heróis como você. 

Juliano Hollivier - Sao Paulo

Homenagem a Élcio Queiroz, enviado brasileiro à Missão de Paz da ONU no Haiti.

Saturday, November 20, 2010

O Gozo Sem Capa


Sexo como droga
que vai pelas narinas dos mais perdidos
como se amortecesse algo latente
e acalmasse o espírito e o corpo.

Inquietação comum essa,
em nós homens gays ou não.
Corrompe qualquer valor,
destrói qualquer juízo,
nos leva ao delírio e ao vazio
direto e em  poucos segundos.

O gozo é facil,
intermináveis são as opções,
se vê paus grandes, pequenos,
se escolhe bucetas ou cús anelados,
como se num sex shop entrássemos
e pedíssemos à atendente virtual
aquilo que nos desse o maior prazer.

Se pode escolher dar ou comer,
onde e como meter,
se pode bater, chupar, machucar, dominar
ou então um, dois, tres ou mais
para matar a vontade de querer ser, ter.

Pula-se de um sexo para outro,
não há envolvimento emocional,
não há troca que não seja de esperma,
de tesão, de doenças, vírus e bactérias,
não há tempo, cobiça, zelo,
troca-se de parceiro assim como
se ignora qualquer sentimento substancial.

Num lugar onde todos somos iguais
o difícil é acusar quem é o culpado
mas o incômodo depois da porra expelida
é mais comum do que o próprio ato acusado.

Há os delírios, os desejos escondidos,
humanos, normalmente calados
como a leitada sem capa, um mijo na cara,
podre, sexual, nojento pra uns
necessário pra outros.

Há muito neste mundo de
sexoanusquímico-dependentes.
E isso nos faz querer saber,
sempre depois da ultima gozada,
quando será a próxima
para não termos que fitar
a nós mesmos na próxima amorosa enrascada,
que normalmente nos faz abrutecer.

Terrível dizer isso mas 
gozar hoje é tão bom quanto matar
medos, desesperos, desconhecidos em nós.
Seguem todos juntos com a borracha lixo abaixo,
isso quando as usa.

Não há doenças que amedrontem,
não há gravidez indesejada que impeça,
não há obrigação que inculque,
nem frescuras que não possam ser realizadas.

Pois numa fábrica de modelos
cujo produto vendido somos nós mesmos,
onde vemos pernas penduradas,
braços, abdomens, mãos e pés
secando sua tinta num varal,
cabeças decaptadas,
bundas, peitos e seios
sendo montados um a um,
o que resta disso tudo 
é claro que só pode ser o supérfluo,
o vazio, o desapego e o banal.

A cocaína dos homens hoje,
além do próprio pó,
está no corpo do outro homem
e é percebida num olhar,
num riso, numa paquera peculiar,
num torcer de pescoço,
num nick de sala de bate-papo
e seu prazer é o nosso próprio nó.
Nos resta compreender se isto leva a algum lugar.

Juliano Hollivier - Sao Paulo











Monday, November 08, 2010

Tesouras Arradas


Tem coisas que realmente não podemos fazer nada,
Não que realmente nada há o que fazer com essas coisas,
mas é que parecem ser de uma providência Divina
para pôr nós homens em nossos devidos lugares

Coisas como paixões atribuladas,
como insucessos rasgados,
como o fascínio pelo belo que não pode ser seu,
coisas como tesouras amarradas.

No sobe e desce dessa vida
cruzo mais uma vez com o homem
o ser humano mais humano
que pode vestir minha felicidade completa.

Ele tem estilo, tem beleza,
ele tem amor, ele tem valor,
nele há brilho, nele há sucesso, força repleta.
Dele sai encanto e a ele Deus presenteou seu manto
tecido à mão por anjos estilistas como ele.

Passou comigo algumas poucas noites e alguns poucos dias
costurando a trama de um sonho prestes a se realizar,
bordando os beijos, cerzindo os flertes,
recortando as vontades e modelando sua bondade
num molde de felicidade que desestruturou meus anseios.
Pois estava eu num momento "fechado pra balanço".
Rindo e desfrutando daquele devaneio
me pego apaixonado e compartilho meu estado.

Então depois da verdade positiva desvelada,
na sinceridade da paixão que poderia sim evoluir
no amor pré-estabelecido como que numa outra vida,
nos encontros de coisas parecidas entre dois sagitários,
devo ter despertado seus horrores e seus medos,
seus ex-amores e derrotas,
conflitos ainda não resolvidos
ou desenhos ainda não desenhados.

Pois a um passo da entrega de si,
da consumação de um fato,
da prova final de um vestido premiado,
ele fechou os buracos, puxou os zíperes,
costurou as entradas, apertou as amarras,
abotoou os botões e tampou as casas por onde eu pudesse entrar.

Não era ilusão a correspondência que senti,
vi em seus olhos, peguei em sua mão que tremia quando me abraçava
e percebi seu tom quando me disse que o resgatava
da descrença no amor.

Eu dizia ele fazia,
eu me expressava com palavras ele se expressava com ações.
Eu pensava, ele agia.
Numa noite juntos dormida
descobriu-se a coincidência até das pernas descobertas.

Não, definitivamente não estou ficando louco, ainda.
Então o que foi tudo aquilo?
Tudo isso o que é?
Por que é que o medo tem de prevalecer?
Por que é que as fases também não podem se coincidir?

Sinto como se tivesse experimentado o melhor casaco,
o mais caro terno, a mais bela gravata e
sem mais nem menos acordasse novamente nú
na escola de um sonho de criança.

Quero apenas uma chance de provar
o quanto posso, o quanto quero, o quanto creio,
compartilhar a conquista de uma felicidade alinhavada juntos,
de um sucesso sobreposto pela coragem,
não só pelo tesão de seu corpo
mas primordialmente pelo tesão de sua alma.

Quero apenas uma chance para conquistar seu olhar
que é todo azul do mar...
e fazer se apaixonar por alguém que já se apaixonou,
alguém que já sabe amar.
Peço que desamarre as tesouras para que então
possamos tecer juntos a roupa da vitória.

Juliano Hollivier - Sao Paulo

Wednesday, October 20, 2010

Red Sea

Azul profundo é o que me vêm à mente
quando a sêca e a aridez começam a tomar conta.
O azul cobalto de um Mar chamado Vermelho
de um país onde o que prevalesce é o calor, a secura e a beleza velada.

Caminhe comigo cheio de incertezas,
com um pouco de medo sobre a vida,
suando muito pelos quase 50 graus e embebido pela areia cansada do Sahara.
Vá se aproximando da falésia, pisando curiosamente no chão dourado.

À beira do precipício olhe e observe
as águas salgadas daquele mar de oásis.
Desça comigo pelas fendas na encosta,
tropeços e esbarrões ribanceira abaixo.

Lá embaixo seguindo por um deck de madeira
que leva a uns 10 metros da orla
veja também os peixes coloridos nadando calmamente,
e sinta que está sendo controlado
por uma imensurável vontade de mergulhar.
Agora feche os olhos e salte.

Abro os olhos e vejo o azul que me envolveu a alma,
às vezes misturado a um verde lindo, profundo,
me percebo parte daquele oceano milenar,
Junto as mãos num formato de lança
e me lanço mais ao fundo.
Olho em volta e os peixes me acompanham,
vermelhos, verdes-fluorescentes, alaranjados, amarelos, pinks e listados.
Lindos eles nadam ao meu lado até que de repente
lá longe uma arraia surge
me deixando mais grato ainda por aquela experiência.

A vontade era de não sair mais dalí.
Foi uma entrega total, onde todo o azul daquele mar
me envolvia perfeitamente, me dava retorno
com a infinita beleza de cores, me fazia pleno
de sensações fantásticas, de felicidade e fantasia.
O medo passara, as incertezas se transformaram em fatos consumados.
Não sabia mais o que era sonho, se era mar, se era céu,
se era real toda aquela imersão de sentimentos.

Com o corpo molhado sobe ao deck, retorne à orla
e junto comigo, sincronizadamente, olhemos mais uma vez
à tudo aquilo que, por minutos, foi parte de você, de mim.
Sente o mesmo que eu sinto?

Aquele é o mar mais maravilhoso que admirei,
este foi o mergulho mais perfeito e completo que fiz.
E o azul, ah o azul, às vezes misturado ao verde, profundos;
com toda a certeza é o azul mais belo que pude tocar.

Hoje, a milhares de kilômetros de distância de lá,
pude novamente submergir na imaginação.
Porque conheci os olhos mais belos que já vi um dia.
Olhos que me fizeram afundar novamente num azul
de sensações profundas, tornando este alguém o
próprio Mar Vermelho do Egito, a própria água
tão necessária que me envolveu aquele dia.

Seus olhos são réplica do que mais belo vivi na vida!

Juliano Hollivier - São Paulo






Thursday, September 02, 2010

Música Para Loucos

Picture by Myself

Não sei do quê sinto saudade
mas a sinto forte
não sei se é algo ou alguém
mas ela está aqui
não do meu lado ou à minha frente
mas dentro de mim
como se quisesse me ocupar
me tomar, me substituir ou me refazer
outro, outra, noutro ou noutra
vida, homem, situação, pessoa, dúvida.
Ouço No Bravery, James Blunt
talvez isto me incite à melancolia
ou talvez isto me transporte
à algo a que sou dado:
questionamentos intermináveis sobre o por quê das coisas,
introspecções arriscadas ao coração, ao amor, ao fim das viagens
a um incômodo despertado pelo som de uma música,
a um masoquismo moral, intelectual, sentimental,
à masturbação mental que me acomete
sempre que me pego só.
A sensação é a mesma que tive
quando estava no Cairo, nas pirâmides, e me vi sozinho,
derrotado e com saudades de casa.
Não sei por quê mas a sinto forte
não sei como nem onde
ela se fez, ou se a fizeram para mim
mas parece coisa de outra vida
de outro plano ou providência.
Não se explica, não se prova
mas esta porra está aqui
dentro de mim
me ocupando, tomando meu corpo
me substituindo, desfigurando, causando
uma torrente de água que cai dos olhos.
Sim, por que simplesmente dizer que me faz chorar
seria pouco, seria falso e superficial.
Ouço, ciclicamente, os melismas da viola.
Vão abrindo portas dentro de mim que não consigo parar.
Parece um vento, um arrebatamento ou afastamento de mim mesmo,
Parece uma droga que leva a um grau de alucinação tão grande
que poderia passar toda a madrugada aqui assim,
deitado, olhando a noite pela sacada
e ouvindo essa viola, essa voz, essa oração pra dor de não sei o quê.
A maluquisse é tanta que quando olho pra TV
vendo esses olhos profundamente azuis do cantor,
é um show em DVD,
vendo o quanto ele se entrega ao que faz
que sinto que faria qualquer coisa 
pela sua companhia numa só noite cantando para mim.
Tem um passarinho doido lá fora,
também cantando enlouquecido,
meu contato com a realidade.
Coincidência?
Carência santificada é essa, meu Deus,
onde está a resposta disso tudo?
mas assim como na música
não vejo nenhuma bravura
diante de tanta volta ao ponto de partida
diante de tanta violência comigo mesmo.
"I see no bravery, no bravery in your eyes anymore,
Only sadness".

Juliano Hollivier - São Paulo









Sunday, August 29, 2010

O Vermelho da Carne

Picture by Elaine Ianicelli
Povo sofrido, com cheiro, odor.
Arábia bendita em seus antepassados
onde mulheres são cães maltratados
ou bonecas enfeitadas com ouro
exclusivas e escondidas no horror.

Progresso inverso, cultura enraizada
no acerto ou no erro
onde um tem tudo e muitos têm nada
na pele escorre o suor e a cor do desespero.

A luz de um sol muito forte
arrebata a testa, os ante-braços, as mãos.
Judia as rugas de olhos que só vêem
e desejam não desejar a sorte e a morte.

Nossa liberdade vai de encontro
aos coros de um Alcorão interpretado
por homens crentes em Deus,
em renúncias e retribuições divinas.

O que faço aqui seria motivo
de morte por apedrejamento talvez, 
por isso rezo todos os dias por ter nascido livre,
solto para poder escolher quem ser.

Porém vi no Oriente um médio olhar
de uma esposa toda encoberta
que andava logo atrás de seu amo
acorrentada por ouro branco.

Quando passou senti vontade de despí-la toda,
arrancar aquela burca a tapas,
enfocar o senhor que a puxava
dono de um orgulho e prepotência tosca.

Seu corpo com certeza brilhava
debaixo daquele tecido negro
ainda se podia ver em seus passos 
o Prada nos sapatos
os brilhantes nos dedos
porém somente seu dono a desfrutava.

Diante de tanta diferença
me ocorreu a primeira vontade em me despir,
mostrar ao homem como viemos e como voltamos
o quanto somos belos sem nada,
frágeis e fortes nesta crença.

Em minha cabeça, naquele instante,
só me restaram o corpo, a arte,
a raiva, a luz que brilhava abundante,
o negro e o vermelho da carne.

Juliano Hollivier - São Paulo

Wednesday, August 25, 2010

Auto-Exposição

Picture by Elaine Ianicelli

Afirmar-se como indivíduo notável
digno de reconhecimento, elogios
estar na vitrine da curiosidade alheia
ou nos pensamentos de alguém que masturba as vontades ditas feias.

Despir-se na rua de uma amargura rasa
exibindo bunda, sexo e peitos
conseguir olhares cheios de desejos
ganhar atenção com manejos fáceis, em brasa. 

Podem ser estas as intenções
colocar-se à vista de olhos julgadores
buscar fama de forma rápida, sem razões
galgar suspiros, amores e alguns valores.

Se olhar um pouco mais adentro
pode encontrar um motivo em que se reconheça
que instigue a coragem dormida
que ilustre a nobreza em epicentro
algo de que jamais se esqueça.

Verá em mim todas e mais essas suposições
um ou mil motivos nada velados
beleza e horror que coexistem na pele
na alma, na pose e coragem tonificados.

Verá a superfície se só isso quiser
Verá Arte se assim puder
Verá Poesia se preparado estiver
e então poético se tornará
todo e qualquer motivo
que  me leva expor a alma, o medo,
o tesão,  o fetiche, a repulsa,
ou a mensagem mais importante
entre todas elas:
ser eu mesmo sem esconderijos
a menos que estes me dêem
algum prazer!


Juliano Hollivier - São Paulo

Picture by Elaine Ianicelli

Thursday, August 19, 2010

Amor


Picture by Elaine Ianicelli


Hoje vou tentar falar de amor
de todos que passarem pelos meus dedos
Hoje vou tentar fazer o amor valer
toda a pena do mundo, todos os riscos imundos
que corremos quando abrimos nosso coração a alguém.

Digo o amor que evolui da paixão
de uma sensação inexplicável de respiração contida
de um gelo na barriga só quando se pensa nele
de um milhão de vezes que se materializa 
na mente, na frente, na gente.

Refiro-me à exceção repetida
tantas e tantas vezes que nos faz crer
que somos realmente loucos querendo amar assim
querendo se jogar de tão alto andar
que é o tal "amar e ser amado".

Me arrisco falar desse edifício
de paredes densas de concreto queimado
com toques de flores jogadas pelo vento
transformando o austero em belo
o vício em bálsamo
o grão em ceia e o beijo em sexo.

Digo o sonho de viver um filme
com ele ou com ela de todos os sonhos
cena a cena de um romance louco
com brigas, desentendimentos e fazeres de pases
com dias vividos desedificantemente em mares
de volúpia, de alegria, de tesão.

Falo também do amor de amigo
que começa baixinho, numa coincidência talvez
num oi e numa ajuda recíproca
que cresce com o tempo e com as trocas
que amadurece na sintonia, no reconhecimento de coisas iguais
que dá fruto à primeira oportunidade de boa ação
Falo deste amor registrado na fotografia
num olhar, em dois olhares, num toque com a mão direita no peito
num apoio com a mão esquerda do outro 
no ombro nú, no pêlo livre de preconceito
na luz que brilha no seio, no colo
falo também do amor ejaculado no palco
de um trabalho feito a dois, para os dois, 
da beleza tão imensamente maravilhosa
de uma boca sobrepujada por olhos que dizem tudo
mas que o fazem duvidar se realmente existem
por que são lindos demais,
falo dos fios de cabelo, negros, curtos
que fazem qualquer ser humano se perder
na brisa da loucura, no devaneio de querer ter.
Falo deste amor que é somente
o meu amor de amigo.

Texto inspirado e dedicado à atriz e amiga Cris Ferrantini.

Juliano Hollivier - São Paulo

Wednesday, August 11, 2010

Reconhecer-se

Picture by Elaine Ianicelli

Olhar para o outro e ver somente ao outro
Olhar para si mesmo e ver apenas a si próprio
É o começo de uma guerra, de um colapso, de um absurdo qualquer.
Não doar seu sangue, sua voz, seu ouvido
Não dar sua alma, sua vida, sua vontade
pelo outro, para o outro, com o outro.
É sem dúvida o alimento para o egoísmo, para a insanidade, para o caos.
Agora quem é que quer se doar, se dar e compartilhar
num mundo onde todos se comem, se fodem e se pisam?,
onde uns renegam a merda que comem, o buraco onde evacuam
seus podres, suas mentiras, seus medos e imperfeições
e no instante em que podem jogam tudo para o alto
se vangloriando do passo dado sem reconhecimento algum.
Aprende-se ser um indivíduo indizivelmente individualista
no dia-a-dia, no corre-corre, no pega-pa-capá da inocência,
nas empresas e escolas que passamos.
Se esquece que em muitos momentos o outro é
necessário, insubstituível, particularmente desejável.
Observar-se e ser observado.
Início de uma trégua, de uma paz interna.
Dar seu peito, seu ombro, sua gana
é se permitir ver e enxergar o outro.
Me vejo no praticável em pé
ou nos metatarsos apoiado,
olho depois no canson riscado a carvão, pastel ou a lápiz de cor.
Me reconheço de outra forma, de um outro jeito,
através do olho do artista me vejo outro,
me vejo novo, me vejo louco, me vejo sempre.
Vejo o que todos vêem e o que poucos entendem
Vejo o que não gostaria ver em mim
mas que por ser parte de todos alí está para ser visto,
não dependendo da minha vontade.
No desenho ou no bronze fundido
reconheço meus sentimentos, meus prazeres,
descubro novos sonhos, novas curvas, novos ângulos de mim mesmo.
Às vezes a princípio nao vejo nada de mim neles,
poucos os casos, mas existem, e servem para o pensamento
como se questionassem minha pose, minha capacidade de expressar-me
E num relance nestes mesmos casos, me vejo criança
me vejo projeto de gente, me vejo embrião de um homem cheio
de coisas pra fazer, querer, conquistar, descobrir, crescer.
Trabalhos feitos com a expressão do meu corpo
são sempre conjunto de resultados mútos entre modelo e artista
são sempre fruto de auto-reconhecimento
de todos que se doam, partilham e oferecem 
sua alma para o outro, seus olhos para o outro,
E com o outro, vive para o destrinchar da
individualidade, do egoísmo, do individualismo 
naturais sim do ser humano, mas também necessários de evolução,
de reconhecimento e aprimoramento.
Olhar para o outro e ver também a si mesmo.
Olhar para si próprio e se ver outro,
se ver diferente, melhor, inerente.
Modelo de uma transfiguração,
desenhista, escultor, artista e eu
somos um só e seu trabalho espelho
que reflete a todos nós num reconhecer-se!.

Juliano Hollivier - São Paulo